Conclusão
“Primeiro usei ICQ, fui pro MSN e depois para o Google Talk, principalmente seguindo a migração feita pelos meus contatos.” (Adriana , 21 anos)
“O ICQ caiu, ficou obsoleto, pois a minha rede de contatos migrou para o MSN e eu o deixei pra trás.” (Paulo, 23 anos)
“O que me leva a usar (ou não) um sistema é sem dúvida a presença dos meus contatos nele, e mais, a frequência com que eles usam tal ferramenta. Digo isto, pois claramente é perceptível o declínio do MSN Messenger perante o (não tão bom) chat do Facebook e Gmail nos dias de hoje.” (Marcos, 20 anos)
Na pesquisa realizada com graduandos em Computação (Netto et al., 2012), os depoimentos revelam que muitos dos jovens brasileiros começaram a se comunicar por mensageiro instantâneo através do ICQ, depois migraram para o MSN Messenger e depois para o serviço de mensageiro do Facebook. Esse movimento migratório dos usuários entre sistemas que implementam o mensageiro instantâneo indica a mudança do sistema líder do mercado ao longo dos anos, que por sua vez revela a competição entre os sistemas que implementam esse meio de conversação, conforme discutimos no capítulo 5 sobre Ecossistema.
Nesses depoimentos também fica evidente que a decisão de uma pessoa sobre qual sistema de conversação adotar é muito influenciada pela escolha de seu grupo social, sendo esse mecanismo de seleção social o que promove o sucesso ou o fracasso dos sistemas, conforme discutimos no capítulo 4 sobre Seleção.
Os depoimentos refletem a cultura de uso dos sistemas de mensageiro instantâneos até o ano de 2012. Se refizéssemos essa pesquisa na data de publicação desse livro, agosto de 2014, os jovens falariam da migração para o serviço de mensageiro instantâneo do WhatsApp pelo smartphone, que se tornou o líder desse mercado. Essa constatação revela, conforme discutimos no Capítulo 3 sobre Evolução, que a todo momento são lançados novos sistemas que ameaçam o posicionamento dos líderes do mercado, e as inovações nas funcionalidades desses novos sistemas atraem a atenção dos adotantes iniciais, que por sua vez atraem os demais usuários. As inovações nos sistemas possibilitam novas características de conversação, promovendo a evolução do meio; eventualmente, contribuem para o desenvolvimento de um novo meio de conversação, o que precisa de tempo e maturidade para ser reconhecido como tal. Graças principalmente à popularização do Facebook e do WhatsApp, reconhecemos o desenvolvimento do mais recente meio de conversação da internet, mensagens em grupo, conforme contamos no Capítulo 6 sobre História.
Atente que os depoimentos são sobre os sistemas usados ao longo dos anos para conversar especificamente por meio de mensagens instantâneas. É importante organizarmos as análises em função dos meios de conversação, porque a evolução resulta da competição que ocorre entre os sistemas que implementam um mesmo meio. Portanto, a identificação de quais são os meios de conversação da internet, como apresentamos no Capítulo 2 sobre Taxonomia, é a base necessária para elaborarmos e defendermos a perspectiva evolucionista apresentada neste livro.
Esses depoimentos foram produzidos por alunos de Computação. Esse perfil foi escolhido por serem usuários intensivos: todos os participantes daquela pesquisa usavam a internet diariamente por 5 horas ou mais. Por viverem intensamente essa cultura, os depoimentos revelam claramente a competição entre os sistemas (ou migração, na perspectiva antropocêntrica). Contudo, essa cultura não é restrita aos jovens estudantes que escolheram a computação como profissão; a cibercultura é a cultura contemporânea de todos nós, como abordamos no Capítulo 1 sobre CMC.
Observe que estamos usando a perspectiva evolucionista para discutir os depoimentos aqui apresentados. Consideramos que esta perspectiva, esta forma de analisar os sistemas computacionais de conversação e alguns dos fenômenos contemporâneos da cibercultura, é a principal contribuição deste livro. Nesta conclusão, sintetizamos essa e outras contribuições que esperamos ter dado com o arcabouço teórico que apresentamos e defendemos neste livro.
Perspectiva para (re)interpretação
A teoria da evolução aplicada aos meios de conversação da internet, assim como toda teoria, fornece constructos que modificam nossa compreensão de um domínio, nos apoiam a (re)interpretar fenômenos, a questionar certas afirmações. Na Introdução (e detalhado ao longo dos capítulos) mostramos que essa perspectiva nos faz enxergar alguns erros conceituais que até já nos acostumamos a escutar na mídia, como haver um pai do email (o que reflete uma visão criacionista) ou que os sistemas de redes sociais vão acabar com o email (sequer estão competindo entre si; sistemas e meios de conversação são conceitos distintos!). Nesta conclusão vamos discutir, a partir da perspectiva evolucionista, mais um caso divulgado na mídia bem no ano que estávamos terminando de escrever este livro.
No início de 2014 foi publicado um artigo em que os pesquisadores aplicaram um modelo matemático, que descreve a progressão de epidemias, para prever a queda de usuários do Facebook (Cannarella e Spechler, 2014). Aqueles autores partiram da suposição de que a adoção e o abandono de sistemas de redes sociais, como o MySpace e o Facebook, seguem o mesmo padrão da contaminação e recuperação de pessoas infectadas numa população. De início achamos graça da metáfora do Facebook como uma doença contagiosa. Mas em seguida verificamos que não era uma piada, mas sim uma pesquisa de doutorado realizada na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. Num primeiro instante ficamos receosos por causa do nosso livro, pois aquela pesquisa previa que o Facebook perderia 80% dos usuários entre 2015 e 2017, justamente no período que estaríamos divulgando o nosso livro! Se o Facebook realmente entrar em decadência nesse período, nosso livro não despertará muito interesse, pois Facebook aparece no título do livro e o utilizamos para exemplificar vários conceitos. Mas a apreensão inicial que tivemos não perdurou, pois ao analisarmos aquela pesquisa a partir da perspectiva evolucionista, reconhecemos que a dinâmica que explica a ascensão e queda de popularidade dos sistemas é a competição, e não a epidemia. O Facebook não é uma doença contagiosa da qual os usuários irão se curar em breve, por isso não é correto aplicarmos o modelo epidemiológico para prever a erradicação do Facebook. De acordo com o que discutimos sobre a competição entre os sistemas, para que o Facebook perca sua liderança é preciso que um outro sistema dispute e conquiste seus usuários (ou, na perspectiva antropocêntrica, que os usuários migrem para um outro sistema). Atente, contudo, que grandes empresas como o Facebook compram os concorrentes que ameaçam sua supremacia – como o WhatsApp e o Instagram – embora alguns resistam, como o Twitter, que já recusou inúmeras ofertas. Atente, também, para outras estratégias como forçar os usuários a instalarem o aplicativo Facebook Messenger para trocar mensagens instantâneas pelo smartphone, competindo com o WhatsApp da própria empresa. Sim, em algum momento o Facebook vai ser superado por algum concorrente, mas o declínio da quantidade de seus usuários não pode ser previsto pela dinâmica da progressão de uma epidemia. A perspectiva evolucionista, também neste caso, se mostra útil para nos fazer repensar aquela pesquisa.
Outras contribuições
Esperamos que este livro também contribua para diversas áreas específicas, como cibercultura, linguística, desenvolvimento e design de sistemas, mídias sociais, e história das tecnologias.
- Para pesquisadores e estudantes de cibercultura, mostramos como as mudanças culturais afetam e são afetadas pela evolução dos meios e sistemas computacionais de conversação.
- Para linguistas e estudiosos dos gêneros textuais que emergem na cibercultura, diferenciamos gêneros textuais e meios de conversação, e discutimos como os diferentes meios influenciam o discurso.
- Para desenvolvedores e designers de serviços de conversação, mostramos como as influências de sistemas anteriores aparecem em novos sistemas. Alertamos para a necessidade de haver, na UML, um novo diagrama para expressar as funcionalidades de outros sistemas que estão sendo consideradas no novo sistema que está sendo projetado. Outra implicação dos conceitos apresentados neste livro é a possibilidade de projetar sistemas inovadores explorando características da conversação que não estão presentes nos meios existentes, como, por exemplo, projetar serviços assíncronos que sejam baseados em áudio e vídeo (até o momento de publicação deste livro, todos os meios assíncronos são baseados em texto);
- Para jornalistas que escrevem sobre mídias sociais, a perspectiva evolucionista apoia a rever os fatos antes de divulgar uma notícia. Esperamos que essa perspectiva contribua para evitar certos equívocos, como alguns que já foram amplamente difundidos.
- Para os profissionais que realizam pesquisas de mercado sobre sistemas de conversação, fornecemos métricas e leis sobre esse mercado, o que apoia na realização de pesquisas mais acuradas. Com essas métricas e leis esperamos, por exemplo, que em futuras pesquisas não sejam comparados sistemas que não competem num mesmo mercado (por implementarem meios de conversação diferentes).
- Para pesquisadores e historiadores de evolução das tecnologias, mais especificamente de meios de conversação da internet, esperamos que a perspectiva evolucionista apoie a contar uma história não pela descrição de fatos, datas e personagens, mas sim pelas influências ocorridas ao longo do tempo. Neste livro apenas iniciamos um estudo sobre as influências das funcionalidades na história de cada meio de conversação, contudo essa história merece ser contada com mais precisão e riqueza de detalhes.
…fim?
A cibercultura, por ser o principal fenômeno do nosso século, vem sendo estudada por vários pesquisadores de diversas áreas. Nós, autores do livro, somos pesquisadores na área de Sistemas de Informação, e por isso nosso olhar mirou nos sistemas computacionais: buscamos explicar como os sistemas que implementam os meios de conversação estão sendo usados ou deixando de ser usados em nossa sociedade. A perspectiva que apresentamos e defendemos neste livro não se encerra aqui; pelo contrário, esperamos que seja mais uma contribuição para melhor compreendermos a cibercultura, fenômeno que afeta todos nós.
Você, que está lendo este nosso livro distribuído em formato e-book, está vivenciando a cibercultura neste exato momento. Se quiser discutir conosco e com outros leitores do livro, pode comentar em nossa página no facebook <http://www.facebook.com/meiosdeconversacao>, que é outra prática que emergiu com a cibercultura. Aproveite e compartilhe a página com seus amigos, apoie-nos a divulgar esse livro que não foi produzido por uma grande editora, mas sim pelos próprios autores. Não é só a indústria editorial que está sendo transformada na cibercultura, como exemplifica a produção deste livro; mas sim todos os setores da vida contemporânea: lemos e escrevemos de forma diferente; desenvolvemos novas formar de conversar, pensar e aprender; estabelecemos novas formas de amar e de nos relacionarmos com os amigos; temos novos comportamentos, novos estilos de viver e de ser.
← Página anterior 6. História |
Capítulos (Índice) |
Página seguinte → Referências |